Minha mãe trabalhava, tinha seis filhos, e a gente se virava em casa. Cada um preparava seu café-da-manhã, esquentava seu jantar. Uma casa com um vai-e-vem danado de gente com horários e rotinas diferentes. Por isso, apesar da gente ser bem treinado para ajudar, era muito necessário um suporte técnico doméstico.
Eu lembro que uma vez minha mãe contratou uma empregada que era uma mulata bonita, simpática e calada. Apresentou ela calmamente para todos nós, o que não era lá muito comum, mas tudo bem, minha mãe parecia gostar da moça. Ela tinha o cabelo preso, usava uniforme sempre limpo e era discreta. Mas em alguns meses a mulher se transformou.
Eu devia ter uns dez, onze anos. A moça começou a falar de Deus sem parar. Até então nada de mais pra quem hoje em dia convive com uma série de adeptos de igrejas que tem um vocabulário vastamente, digamos, espiritualizado.
Mas o "demo" também era figura fácil nas palavras da mulher. Como em casa o pessoal era muito gaiato, todo mundo levava tudo na gozação, longe da moça, lógico!
Um dia ela soltou os cabelos e deixou de usar uniforme. Foi quando a transformação ficou mais evidente. Ela cantava alto. Deus e o Diabo, em sua boca, deram lugar a palavrões e deboches.
Além dos cabelos, ela começou a se soltar mesmo, e até a nos assustar. Teve uma vez que eu almoçava com meu irmão na copa, antes de ir pra escola, enquanto ela conversava com a faxineira:
- Você sabia que, na época dos escravos, eram eles que faziam comida pros patrões?
- É... o escravo fazia tudo. - respodeu distraída a faxineira.
- Agora é assim também, né?
- Assim como?
- Os empregados cozinham, fazem tudo.
- Ah! Mas é diferente, né?
- Diferente, diferente! - E o tom da transformação ficou mais forte - Só que os escravos colocavam até veneno na comida dos senhores! Só de raiva.
Eu parei na hora de comer. Olhei pro meu irmão que também tinha parado de comer.
- Mas isso é maldade, né? - riu a faxineira, não levando nada a sério.
Muito diferente de mim.
- Que maldade nada!- Ela deu uma gargalhada - É raiva mesmo!
O meu irmão continuou comendo. Aquele ali tinha um apetite danado, era magro de ruim. Nem ouvindo um negócio desses o menino parou de colocar a comida na boca! Que coisa impressionante!
- Mas ninguém é maluco de fazer isso! -amenizou a faxeira. Pra minha sorte e pra satisfação da minha fome, mas que "deu um branco" por instantes.
Simulei umas garfadas...pois é... se aquilo tava envenenado, eu já ia morrer mesmo....tava no final do meu almoço. Meu irmão tinha razão, deixar de comer pra quê?
Isso é só um exemplo, ameno, das coisas que essa moça fez. E minha mãe, com aquele coração religoso-piedoso, nem pra mandar a mulher embora! E nem a empregada queria sair de lá. Era louca! Aliás, depois de muito tempo a nossa querida mãe nos disse que, ao contratar a mulher, sabia que a moça tinha passado por um tratamento no Dr. Eiras! Quase que nós internamos a mãe quando soubemos disso! Outra louca!
Quem acabou expulsando a pseudo-transformada da nossa casa foi uma das minhas irmãs. Para a santa paz no lar!
quinta-feira, 14 de maio de 2009
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